quarta-feira, 14 de julho de 2010

A noite antes da viagem.

Como da última vez, o ar. Há tempos que não o respiro, e francamente, esperava continuar sem respirá-lo por um bom tempo ainda.
Estranho esse ar ter vindo justo essa noite, quando você vai, mais uma vez, para longe. Pra longe dessa cidade, pra longe daquele colégio, daquela sala de cinema, dessa casa, e principalmente, de mim.
É bem verdade que aconteceu quase a mesma coisa que da última vez. Planos mirabolantes, loucuras, estratagemas, vontades, amores, falhas. É bem verdade que eu, mais uma vez, só não pelei do trampolim por que não consegui. E lhe digo mais, é bem verdade que eu, ainda assim, não penso que não poderei um dia pular. Pular e assustar a todos. Fazer todos olharem pra baixo, ficarem preocupados, e depois de cinco segundos, aparecer. Aparecer rindo-me das minhas certezas. Aparecer mostrando os dentes à beira da lucidez. Aparecer fazendo inveja em todos os que, nem ao menos sabem o quanto aquilo tudo poderia ser incrível.
Mas eis que ainda estou aqui eu, fitando a mim mesmo, beirando o meu próprio ego, e causando nada mais que a indiferença de todos eles a quem quero provar.
Estou aqui eu, um dia antes da sua viagem, e ainda há vários tempos da minha, por mais que ela só esteja há 4 dias contando de hoje. Estou aqui, pensando o quanto faz falta, o quanto dá a pauta, e isso ainda enquanto há porta. Me perdendo nos seus cabelos, nos seus terços, nos seus meios. Me perdendo, aliás, em tudo que ainda resta para me perder, tudo. O que, de forma alguma é pouca coisa, ainda menos se tratando de você.
Me pergunto que cores que suas viagens tem. Será que tem marrom nelas? Eu espero que sim, marrom sempre faz bem pra essas coisas. Se não tiver, leve o meu casaco emprestado, por favor, mas não viaje sem nenhum marrom.
Aposto como deve ter azul. Você sempre gostou de azul, eu nunca soube muito bem qual, nem direito o porque, mas você sempre gostou, então, se não tiver, leve a minha guitarra, você sempre gostou do azul dela. Se tem uma coisa que eu aprendi nesses últimos tempos é a seguinte: nunca viaje sem a sua cor preferida. Então leve, de um jeito ou de outro.
Aposto como deve ter várias outras cores também. Se faltar alguma, pode roubar de mim. Eu não tenho um cofre no banco, nem nada, vai ser fácil, afinal, é só um caderno, impresso em preto e branco e com páginas de papel, não deve ser difícil.
"E a sua viagem, como fica?" É o que você me diria se já não tivesse ido, e levado isso tudo, mesmo sem perceber peso extra na bagagem. Mas bom, a minha viagem não importa. Eu posso passar a minha viagem no vermelho, ou mesmo no cinza, mais a minha verdadeira viagem vai ser quando eu ver nos seus olhos o brilho marrom que tem nos meus, e ver eles fundidos ao azul, no seu verde que a genética te deu. E, por deus, teria viagem mais linda que uma dessas? Eu e você, fundidos no seu olhar, nos beijando no bom verde, sem perder as nossas cores, é claro. Mas me explique, por deus, como uma viagem poderia ser mais perfeita que essa?
E afinal, como seria a noite antes dessa viagem? Como seria o ar? E alguém por favor me explique, como eu conseguiria respirá-lo, sabendo de tanto? Alguém por favor me diga, alguém faça o favor de me dizer. Me digam que você levou o meu marrom e o seu azul, e que eu nunca mais irei respirar nenhum ar que não seja esse, nenhum ar que não seja o da noite antes da nossa viagem, nos seus olhos.

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