O Sr. Saunsmeunch estava excepcionalmente descontente naquele dia. As coisas não corriam muito bem no seu próprio mundo. Não me pergunte o que, eu não sei, talvez nem mesmo o Sr. Saunsmeunch soubesse, mas a questão é que, fosse o que fosse, não ia nada bem.
Tal era seu descontentamento naquela manhã que, durante a costumeira visita ao bom médico-biruta, ele nem ao menos fingiu fazer nenhum exame louco qualquer, nem ao menos fingiu ter entendido alguma das baboseiras que àquele médico fanfarrão almejou dizer, e mais do que isso, nem ao menos fingiu pegar a receita que normalmente fingia jogar fora na saída da clínica.
Tal era seu descontentamento naquela tarde que, quando a esposa o cumprimentou ao chegar em casa, ele nem ao menos fingiu dar um beijo nela, nem ao menos fingiu o diálogo costumeiro e sem-tempero de sempre, e mais do que isso, nem ao menos fingiu que a estava vendo, porque há muito tempo que tudo o que via era apenas o seu próprio mundo.
Tal era o seu descontentamento naquela noite que, ao fingir colocar Samantha para dormir, nem ao menos fingiu que inventava uma história qualquer da sua velha cachola, nem ao menos fingiu dar um beijo em sua testa, e mais do que isso, nem ao menos fingiu desejar boa-noite para Samantha, e nem dizer que o bicho papão apareceria para ajudar ela a dormir.
Tal era o descontentamento do Sr. Saunsmeunch naquela manhã, tarde e noite que, ao olhar para o seu próprio mundo antes de fingir dormir, nem ao menos conseguiu vê-lo, pela primeira vez em tudo o que fingira ser vida.
E foi por perceber que não mais veria o seu próprio mundo enquanto àquele outro estivesse preso (pelo menos fisicamente), foi que ele bolou a sua grande e memorável fuga para o seu próprio mundo, feito sabe-se lá de que. Sim! Ele não se prenderia mais a fingimentos e a fragmentos, pois num mundo que é feito inteiramente de tais coisas, termina fazendo com que todas elas deixem de ser o que as pessoas supõem que sejam. Sim! O seu próprio mundo, finalmente veria o seu criador por sí só, sem fingimentos, sem esclarecimentos, apenas ele puro do seu ser e do seu estar, e nada mais do que a sua própria verdade absoluta!
É desonroso dizer que só o que contam por aí é que o louco da casa 16 simplesmente se matou, seja lá de que forma for que fosse. Se matar! Onde já se viu isso? Só um louco para fazê-lo, e um louco como o Sr. Saunsmeuch, em sua plena sanidade mental, jamais faria nada mais além de fingir se matar.
E por isso enquanto todos o enterram, e choram lírios pela sua réris casca desde sempre oca, o Sr. Saunsmench corre para um outro médico, uma outra esposa, e até mesmo uma outra filha, e ri-se do mundo que deixou, no seu próprio mundo, que enfim tiraria o seu descontentamento e por fim, o faria contente.
E foi assim, com o mais memorável suicídio de todos os tempos, que Samanha Saunsmeunch, uma criança feita de loucuras e gravuras, perdeu o pai, com a mesma idade que ele sempre fingiu para todos ter. Com nada mais, nada menos que 9 anos de idade (ou quase isso).
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