E é por essa chuva, querida, que aqui, dentro da cabine do meu trem, eu paro de escutar a minha bossa nova e o meu rock 'n roll, e escuto a música que, para nós dois, eu tenho certeza, começou com isso tudo. E é por escutar principalmente essa música do que qualquer outra, do que qualquer garotos d'água e do que qualquer outra cura também, é que eu me dou conta do quanto eu te devo muito mais.
Te devo todo o peso que te fiz carregar tão injustamente, te devo todas as angústias que tivemos. Te devo todos os textos que você me fez escrever, todos os desenhos que eu sei, você sempre soube que eram você que me fazia desenhar também. Te devo músicas. Todas as instrumentais que compus pra você. Te devo um caderno. Te devo os videos que ainda guardo naquele aparelhinho que você conhece tão bem. Te devo o meu casaco. Te devo o mundo que eu criei detalhe por detalhe pra que pudéssemos viver nele. Te devo todo o amor que se acumulou dentro de mim esse tempo todo, e que fui lerdo demais pra colocar pra fora nas horas certas. Te devo a história de uma vida inteira. Te devo uma vida inteira. Te devo um presente de aniversário e milhares de desaniversários. Te devo todas as metáforas que te escrevi, te devo mares. Te devo noites sem dormir, rindo comigo mesmo e me lembrando do seu sorriso. Te devo lágrimas.Milhares delas. Todas as suas que eu, em vida não fui capaz de suprir como eu prometi pra mim e deus desde sempre. Mas mais do que isso tudo, eu te devo um dvd pra colocar no lugar do que peguei de volta, né não?
Mas acontece que não dá mais. Não dá, e você bem sabe o quanto não dá. Não dá e hoje, pela última vez, eu me despeço de cada árvore do mundo que criei pra nós dois. Me despeço de cada castelo, de cada barco, de cada texto e de cada pedra de um riacho qualquer. É que acontece que aquilo tudo não tem a menor graça sem você lá, entende? É só que a verdade é que não existe rei sem rainha, e nem reino sem rei, e nem nada.
O maquinista disse que sem falta amanhã estamos de partida. Amanhã mesmo. Sem falta. Então olhe nos meus olhos uma última vez. Olhe nos meus olhos e por através das lágrimas que agora escorrem por onde deveriam estar as minhas lentes, olhe nos meus olhos e veja o quanto eu te amo, e dê uma olhada naquele mundo que agora deixo pra trás. Veja todos os rios, e todos os barcos, e todos os mares, florestas, castelos e o que mais conseguir encontrar. Ouça os pássaros cantando, e a música que eu deixei tocando no rádio. Sinta o cheiro. Veja o azul, o verde, e principalmente, o marrom. Dê uma olhada e tire a cabeça rápido. Tire a cabeça rápido, pois é hora de dizer adeus. Tire a cabeça rápido que é pra não deixar saudade. Tire a cabeça rápido que é pra dar tempo de eu te dizer pela última vez o quanto eu te amo, o quanto sentirei a sua falta e de tudo o mais. Tire a cabeça rápido que é pra eu te dar um último beijo de despedida, como sempre sonhei em te dar.
E agora eu deixo o rio correr. Deixo todas, as mágoas, nostálgias, músicas e belezas fluírem rio abaixo, junto com essas últimas lágrimas que me descem abaixo a face. Deixo tudo de velho, inclusive eu, e deixo o que vem de novo pro novo que almeja por nascer aqui dentro. E minhas últimas palavras são apenas o seu nome. Sem Elise, sem Alice. Sem nenhuma outra cor que não o loiro dos seus cabelos bonitos. Minhas últimas palavras são apenas você: Sophia.
eu choro toda vez que leio esse texto, por razões que não cabem em páginas.
ResponderExcluirDizem, minha querida, que toda a vez que se chora por quem já se foi, do outro lado a pessoa derrama tantas lágrimas quanto a outra...
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