terça-feira, 22 de junho de 2010

O Desaniversário.


(...)

Eu deveria estar fazendo aniversário hoje, mas acontece que não foi hoje que eu nasci. Não, não, você bem sabe, Alice, que foi naquele dia ensolarado que eu nasci. Aquele dia que hoje nos parece feito das nostálgias dos bons tempos, e de marrom. E você nem sabe, Alice, que naquele dia, eu nasci mesmo foi por acaso.
Sim, por acaso! Afinal, depois de uma manhã de sanidade e de abstinência do chá que ainda não conhecia, o que eu queria mesmo era achar uma árvore e uma sombra, e tirar um bom cochilo. Quem sabe acordar mais tarde e caminhar um pouco, olhar o céu, o chão, sei lá. Essas coisas que esse povo louco faz por ai, sabe? Mas bom, terminou não foi isso que aconteceu, não é?
Não, não. Você apareceu, vindo do seu próprio país e me levando para dentro dele. Bom, na verdade naquele país estava você e todos os outros, mas certamente estava mais você do que qualquer um. Mas bom, de um jeito ou de outro, estavam todos lá, e todos vieram de se unir contra mim, e unidos, conseguiram a proeza de derrubar o meu grande plano de mais uma tarde sem-graça da minha destopia de país pessoal.
Esse sim deveria ser comemorado o dia do meu aniversário. O dia em que eu saí do meu falho projeto de vida e fui, enfim viver. O dia em que eu deixei aquela terra de gente louca, e encontrei o meu lindo País das Maravilhas. E eu deveria estar comemorando o meu aniversário é lá! Rindo-me e bebendo do mais frabuloso chá, e não aqui, nessa velha terra que eu há tanto havia deixado. Não num dia perdido como hoje, não numa festa sem-graça, infestada de garças. Uma festa feita de hipocrisias, de gente fútil, feita de "felizes aniversários", sendo que nem aniversário meu é! Não num dia onde todos gritam comigo, brigam comigo, e nem ao menos me deixam fazer um maldito chapéu em paz! Um dia no qual tenho você e todos os outros em seus próprios países (das maravilhas ou não), nenhum dia ensolarado, e ninguém para impedir os meus cochilos, me oferecer chá, e nem destruir um outro plano bobo meu qualquer.
E é justamente por não haver ninguém aqui, Alice, que te fantasio nesse pedaço de papel. Fantasio uma outra carta, das milhões que nunca enviei, colando selos deus sabe pra que. É justamente por não haver ninguém aqui, Alice, que hoje nada mais passa que o mais sem graça dos desaniversários, que um louco como eu jamais teve a desonra de ter, porque louco nenhum que esteja em plena sanidade mental jamais, em hipótese alguma, se deixa ser arrastado, mesmo que à força, para fora do seu País das Maravilhas.
E é justamente por não haver ninguém aqui hoje, Alice, que só me resta cantar, comigo mesmo e com a cartola que levo na cabeça, fingindo a animação que me decidiu fugir:

 

"Um bom desaniversário pra mim"
"Pra quem?"
"Pra mim"
"Pra ti?"
"Um bom desaniversário pra ti"
"Pra mim?"
"Sim sim (É sim)"
"Vamos comprimentarmos com uma xícara de chá"
"Com um desaniversário pra mim"

Ah, Sim! Quase me esqueço, coloquei em anexo uma foto dos bons tempos, daquele dia ensolarado, sabe? Um presentinho de desaniversário, nada demais, espero que goste. Feliz desaniversário.


Com saudades,
O Louco da sua História.

domingo, 20 de junho de 2010

Anfitrião.

"Alice! Você aqui? Entre, entre, vamos. Como tem passado? Bom, eu tenho passado me lembrando, sabe? Eu tenho passado me lembrando de todos aqueles anos, me lembrando daquela noite clara, daquele texto, daquele marrom."
"Se eu ainda penso naquilo? Bom, eu não vou mentir pra você, Alice. Confesso-lhe, penso naqueles anos todos os dias desde que partiu. Penso e fantasio mil coisas com ele. Fantasio o sol, fantasio a madeira, e até me fantasio! Acredita? Fantasio, fantasio só porque o presente não me parece tão tentador quanto o passado já foi, e você bem sabe, Alice, não é."
"O presente? Ah, bom, os últimos dias tem feito - pelo menos em tese - o presente parecer um pouco mais agradável do que estava antes. Tanto que eu nem estava mais vivendo em todos aqueles passados já tão passados da hora. Mas agora eis que o passado, tão marrom, se juntou em complô com o verde, e deu que eles vieram aqui mesmo, só pra me derrubar, acredita nisso?"
"Sim, o verde. Quem diria, não é? Nunca havia dado muito valor a ele, talvez por isso que ele tenha vindo assim com tudo, ou não, quem sabe? Talvez tenha sido por causa daquelas músicas, daquele filme, ou talvez por causa das árvores, que por algum motivo não saem da minha cabeça. Sim, sim, árvores! Deixe que mais tarde eu lhe explico".
"Mas bom, é simplesmente impossível tentar entender as cores, não acha? Assim como é impossível tentar entender as flores, as dores, e tantas outras coisas fascinantes que se dispõem diante de nós. Ainda mais as cores! Ora, que tolice! Tentar entender as cores é quase a mesma coisa que tentar entender o que sinto, o que minto, o que finco. Quase a mesma coisa que tentar entender a nós mesmos e os nossos beijos, quase a mesma coisa que tentar entender os abraços, o barco e o naufrágio. Que tolice! Não acha?"
"Mas eu não sei bem. Marrom junto com verde é pra lá de estranho, né não? Talvez seja por isso que essas árvores não saiam da minha cabeça, afinal, aonde mais eu iria encontrar verde junto com marrom? Coisa de doido!E mais fácil ver, o verde no seu canto e o marrom no meu, acha não?"
"O marrom! Já tem alguns anos que, você bem sabe, aprendi a me deliciar com ele. Gostava dele puro. O seu casaco dissolvido no assoalho daquela história e bem fervido na madeira da sua casa. Mas com verde no meio está me parecendo com uma cara tão boa! Está tão parecido com aquele filme, com as músicas daquele filme, com aquela noite clara! Que mal faria um pouco de folhas de árvore no seu casaco? Quero dizer, eu acho muito bom, mas é você quem sabe, afinal, o casaco é seu mesmo..."
"Santo deus! Perdõe meus maus modos. Te enchi com tanto papo furado que até me esqueci de te oferecer um drinque! Me diga, Alice, vai querer folhas de árvore no seu casaco?"

sexta-feira, 18 de junho de 2010

As minhas retcencias.


"Tá certo que o nosso mal
Jeito foi vital
Pra dispensar o nosso tom;
O nosso som pausou.

E por tanta exposição
A disposição cansou.
Secou da fonte da paciência
E nossa excelência ficou lá fora.

Solução é a solidão de nós.
Deixe eu me livrar das minhas marcas;
Deixe eu me lembrar de criar asas.

Deixa que esse verão eu faço só.
Deixa que esse verão eu faço só.
Deixa que nesse verão eu faço sol.

Só me resta agora acreditar
Que esse encontro que se deu
Não nos traduziu melhor.

A conta da saudade
Quem é que paga?
Já que estamos brigados de nada;
Já que estamos fincados em dor.

Lembra o que valeu a pena
Foi nossa cena não ter pressa pra passar.

(...)"


quinta-feira, 17 de junho de 2010

Vou lhe dizer (um pouco).

(...)
Não. Suas palavras nunca perderam o contorno aconchegante de sempre. E nem sua melodia. Nem nada. É só.

terça-feira, 15 de junho de 2010

A sala.

(...)
"Velho! Velho! Eu preciso falar contigo! Está me parecendo que voltei no tempo!"
"No tempo, você disse?" disse o ancião, sentando-se novamente em sua velha poltrona, enquanto dobrava a barba por cima das pernas e acendia o cachimbo.
"É, aqueles anos que passei naquele patíbulo imundo, lembra? Os anos que eu tinha me acostumado e viver por viver, e sem nem ao menos sentir falta de algo mais, que eu nem sabia que tinha."
"Pois estás enganado. Ninguém jamais poderá voltar no tempo, nem que seja para um passado desastroso como o seu. O que estás vivendo e inteira e completamente novo, mesmo que repetido."
O jovem demorou o seu olhar no velho, mudou de tom:
"E se eu disser que nem ao menos o tempo importa mais pra mim? E se eu disser que, para mim, o tempo está eternamente parado desde aquele dia? O que isso significaria? Hein?!"
"Significaria simplesmente que precisas de um relógio. Como da última vez, lembra-se?"
"Impossível! Você bem sabe, velho, que meu relógio há muito quebrou, e com ele todas as horas que ainda restavam passar! Não diga asneiras, velho, não combina com você." disse o jovem, deixando seus gritos morrerem pela velha sala comprida.
Calaram-se os dois. O jovem permaneceu encarando-o friamente, esperando pela resposta. O ancião inquietou-se em sua velha poltrona vermelha, baixou os olhos e deixou seus pensamentos fluírem pelo fogo crepitante. Tantas histórias aquela lareira poderia contar! Tantas cartas ele mesmo já queimara ali! Tantas poesias, músicas, desenhos... Mas eram tão poucos, se comparados aos jovem que se dispunha à sua frente. Tão poucos se comparados a como aquelas cartas, aquelas poesias, aquelas músicas e aqueles desenhos queimaram, cantando suas próprias partituras naquela velha lareira cega, morrendo jovens, justamente por serem jovens. Tão jovem...
O ancião focou seus olhos mais uma vez no garoto. Fitou-o com seriedade. Nunca o havia olhado daquela forma antes. Sempre falara com calma, mantendo ao máximo a postura humilde (porém sábia) que adquerira ao longo dos anos. O jovem sustentou o seu olhar com a mesma seriedade. Passaram-se vários minutos, cada um mais dilatado e prolongado que o outro, até que o ancião, por fim, disse, calma e profundamente:
"Não adiantaria em nada dizer para você buscar um relógio novo, não é?"
"Não mesmo."
"Então nosso encontro termina aqui. Boa sorte para consertar o antigo."
Estava mais uma vez deitado no chão de sua própria sala, tão sem graça se comparada à outra. Suas lágrimas haviam secado, mas continuava olhando fixamente para o ponto fixo do assoalho no qual, há um instante atrás, havia demorado um pouco mais seu olhar.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A rua.

Era uma rua longa, velha e empoeirada, que nem mais era estrada. Há tempos ninguém se dava ao trabalho de passar por ali, afinal, o retorno já estava a duas quadras de distância. Nem mesmo ele (ou ela, não sei bem dizer) estaria ali se fosse inteligente ou atrevido o suficiente para ir por qualquer outra rua. Mas bom, eis que ali estava ele, parado já há um bom tempo, sem nem mesmo pensar em continuar. Apenas sentado, olhando pro seu próprio mundo, ou talvez o mundo depois daquela estrada, quem sabe?
Mas eis que ele continuou ali, por um bom tempo, diga-se de passagem. Anos, talvez décadas, não se sabe, afinal, não havia relógio nenhum naquele lugar. A idade o atingira como atingiria também a qualquer outro, como em qualquer outro lugar. Havia agora, ao invés de uma face lisa e com as poucas espinhas, uma enrugada com barba já branca. Seus olhos estavam dilatados, suas roupas quase tão empoeiradas quanto aquele lugar. Mas ele levantou, como se não tivesse passado nem ao menos um segundo, levantou e andou. Andou pela rua, agora infestada de mato. Andou sem se preocupar com nada assustador que pudesse pular de qualquer lugar no escuro. Simplesmente andou. Talvez esperando encontrar, enfim, o mundo que tanto sonhara. Ou talvez simplesmente querendo ir finalmente para algum lugar. Quem sabe? Afinal, ali também não havia mapa nenhum. Mas enquanto andava, lhe veio frustração. Frustração por perceber o quanto o ar se parecia como o de antes, o quanto o solo se parecia como o de antes e, principalmente, o quanto tudo era simplesmente como antes. E então ele deitou, ali mesmo, naquela rua velha e empoeirada, e chorou.
(...)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

domingo, 6 de junho de 2010

Marrom.

Acontece que esses tempos todos eu tenho dito que é o azul, mas foi só hoje eu percebi que é o marrom, sabe?
Mas é que o marrom é simplesmente tão perfeito... Quer dizer, não qualquer marrom fajuto por aí, não esse dessas palavras, nem o da imagem no final da página. O seu marrom, sabe?
Aquele mesmo marrom do casaco que você estava usando no dia vinte e um. O mesmo marrom da madeira da sua casa que eu me divertia por imaginar. O mesmo marrom do assoalho que tantas vezes imaginei nós dois rolando e ouvindo aquela música dos Smiths, que acho que você nem nunca ouviu, que nem na história que nós dois gostávamos tanto.
E o azul? O que é que o azul fez pra mim, afinal? O azul do mar? O azul das suas lágrimas do dia vinte e um, ou até mesmo as desses últimos dias? O azul da nostálgia? Ou será que é só o azul da parede do meu quarto? O azul daquelas cores, daquelas dores, o azul do passado ou até mesmo o azul do meu fardo.
Eu queria mesmo era viver no marrom. Viver no marrom e deixar o azul pra lá. Queria viver no teu casaco do dia vinte e um. Queria viver na madeira daquela casa que imaginei pra você. Queria viver no assoalho da história que a gente tanto gostava. Eu queria era viver na minha cor favorita, eu queria viver no marrom.



Historinha atrasada.


Era uma vez uma menina chamada Samantha. Todo mundo na escola zoava com ela porque diziam que ela era feia. Ela, pelo contrário, se achava muito bonita, exceto pelos olhos. Nunca gostara daquele tom de mel-escuro.

sábado, 5 de junho de 2010

E Termina.

E começa. Começa que é meu e só meu. Começa que eu pertenço a mim mesmo e a mais ninguém. Começa que eu me jogo do irreal para o real, das asas nos pés para os pés no chão, da filosofia para a física. Começa que eu, enquanto mente, música e poesia que sou, me jogo do alto de mim mesmo para um caderno recém-fabricado, colorido com preto e branco e com páginas de papel, e pra que? Pra que? - Eu me pergunto.
Pra te ver - eis a resposta - Te ver fora dos meus sonhos. Te ver fora da menina de cabelos negros compridos que gostava da mesma banda que eu. Te ver por si mesma, ver mais do que aquele sentimento louco que me deixava louco, e que me fazia cantar e dançar bem, mesmo que só uma música.
E não é que deu certo? Não é que te achei? Não é que te amei, te cantei e te deitei sobre meus olhos? Não é que foi contigo que criei todos os paraísos nos quais dançamos? Todas as ilhas desertas que nos beijamos? E mais, não foi contigo que - me orgulho em dizer - vivi o romance mais belo e furado de todos os tempos?
E não é que foi no nosso naufrágio que eu morri? Não é que meu caderno se perdeu no meio do oceano e que, ironicamente, desde que morri não consegui mais te dizer onde está? Porque no final das contas morto não fala, só assiste a sua própria história terminar por si só.
E termina. Termina que é seu e só seu. Termina que eu pertenço a você e a mais ninguém. Termina que me jogo do irreal para a fantasia, das asas nos pés para as asas nas costas, da filosofia para a minha (ou sua, chame como quiser) filosofia. Termina que a mente, a musica e a poesia se jogam do alto da pedra mais alta pro mar, pra você, pra a sereia bonita, com olhos feito pérola e cabelos feito anjo. E termina.

O pomposo recomeço do Caderno da B&W

Uma gaveta ainda em algum outro lugar, Passado de Presente de Futuro.

Queridos, escrevo a você esta carta, fazendo votos que estejam bem, apenas para justificar e alertar o que virá a se decorrer nos próximos tempos que, na verdade, já deveria ter se decorrido há muito tempo, numa gaveta do meu quarto.
Eu nunca fui bom pra falar esse tipo de coisa importante assim, pessoalmente. Então me decidi por explicar-lhe pondo em anexo mais uma das cartas que preparei para ti. Que preparei e não mandei, como de costume. Que preparei enquanto eu, enquanto você, enquanto atentado, bêbado, cientista, agnóstico e, principalmente enquanto o narrador de nossa própria história que sou. Espero que goste.


Mas bom, eis que as próximas cartas serão páginas do meu velho caderno, que você já conhece de rosto e que é, no final das contas, só mais um dos elementos daquela fascinante gaveta como um todo. Porque na verdade, existem ainda muitos outros que são, lamentavelmente impossíveis de sair de lá, uma vez que se de lá saíssem, nem em todos os latifúndios do nosso pobre e suado mundo terrestre haveria espaço para tanto. Só as páginas em si já quase não cabem mais no meu quarto! Mas bem, agora devo, enquanto o narrador que agora sou, deixá-los aqui, a mercê do próprio personagem que também sou, espero que aprecie seus futuros textos, notas, ou qualquer bagulhada que ele os mandar.



Mandem beijos para a vovó e abraços para as crianças,
Decididamente,
Seu querido Narrador.


(é impressionante tudo que cabe numa simples gaveta, não?)





"Numa gaveta do meu quarto: Fim (ou recomeço)."



"Numa gaveta do meu quarto. É onde havia começado e acabado tudo. É onde nasci, onde morri e onde continuei morrendo. Talvez a minha morte fosse para ser o fim, mas eis que decidi comigo mesmo renegá-la, pelo menos até que eu ache apropriado dela vir.

E se não acaba, só o que resta a fazer é recomeçar. E eis recomeça, recomeça do mesmo lugar que começa, na mesma gaveta do meu quarto. Recomeça sendo posto de volta o que antes havia sido tirado. Sendo reposto, de pouco a posto, uma parte do inteiro que sinto, do inteiro que fomos, e do inteiro que tento, por mim mesmo, voltar a ser, enquanto o atentado que sou.

Tolice? Talvez. Talvez chame tolice renegar o fim, talvez seja tolice querer renascer, talvez seja tolice querer repor o que já há muito se foi. Talvez devesse continuar sem, continuar no quem, continuar no inteiro sem o meio, continuar na rua e deixar de viver na lua. Mas é só que estava tão frio lá... Tão frio quanto aí, aposto. E aposto de que mesmo a tolice, mesmo o frio, e até mesmo você, não escolheriam estar onde estão se pudessem ou soubessem como fazê-lo, nem deixar de repor o que, quando posto, tão bem fez a tanto.
E eu me pergunto se é de fato possível. Me pergunto se essas páginas não são só mais uma das centenas de frações de ilusões que criei pra mim, me pergunto se essas páginas nas quais escrevo realmente existem, realmente criem e realmente rimem. Mas no que mais seria possível crer, se nem as minhas próprias páginas eu puder ter? Se nem nas minhas próprias páginas eu puder ser, se nem nas minhas próprias páginas eu puder beber, mesmo que uma última vez, em paz, enquanto o bêbado que sou.

E é justamente por isso que eu me decidi por crer. Porque mesmo que seja tolice, não deixa de ser (como eu sempre disse e gostei de dizer) a tolice mais bela que todos tem medo de beber nesse mundo. Que afinal de contas, já está tão encharcado de tolices fajutas e nuas, que uma tolice tão bela no mínimo haveria de diluir um pouco os males de todas as outras.
E estou ciente, enquanto o cientista que sou. Estou ciente do que estou fazendo, estou ciente do que pode acontecer, e estou ciente de que essas podem ser as últimas páginas que (eu teria orgulho de dizer) foram mais um dos lindos frutos que minhas próprias ilusões me proporcionaram. Mas eis que se forem, de fato, eu estaria já incapacitado de contá-las pela própria fossa, que ainda teriam a injúria de chamar de boca. Por isso então rogo-lhe, enquanto o agnóstico que sou: Diz por mim. Quando perguntarem, conte de todos os frutos que me foram feitos pelas minhas próprias ilusões, conte as maravilhas que haviam no meu próprio país das maravilhas, conte dos paraísos, das ilhas desertas, do naufrágio, e termine com um simples 'ele morreu'.

E, além do mais, eu já estava morto antes mesmo. Que custaria acabar morrendo mais uma vez? Tolice mesmo seria ter medo de morrer. Porque se morrer, morreu, Fim. (ou recomeço)".