Uma gaveta ainda em algum outro lugar, Passado de Presente de Futuro.
Queridos, escrevo a você esta carta, fazendo votos que estejam bem, apenas para justificar e alertar o que virá a se decorrer nos próximos tempos que, na verdade, já deveria ter se decorrido há muito tempo, numa gaveta do meu quarto.
Eu nunca fui bom pra falar esse tipo de coisa importante assim, pessoalmente. Então me decidi por explicar-lhe pondo em anexo mais uma das cartas que preparei para ti. Que preparei e não mandei, como de costume. Que preparei enquanto eu, enquanto você, enquanto atentado, bêbado, cientista, agnóstico e, principalmente enquanto o narrador de nossa própria história que sou. Espero que goste.
Mas bom, eis que as próximas cartas serão páginas do meu velho caderno, que você já conhece de rosto e que é, no final das contas, só mais um dos elementos daquela fascinante gaveta como um todo. Porque na verdade, existem ainda muitos outros que são, lamentavelmente impossíveis de sair de lá, uma vez que se de lá saíssem, nem em todos os latifúndios do nosso pobre e suado mundo terrestre haveria espaço para tanto. Só as páginas em si já quase não cabem mais no meu quarto! Mas bem, agora devo, enquanto o narrador que agora sou, deixá-los aqui, a mercê do próprio personagem que também sou, espero que aprecie seus futuros textos, notas, ou qualquer bagulhada que ele os mandar.
Mandem beijos para a vovó e abraços para as crianças,
Decididamente,
Seu querido Narrador.
(é impressionante tudo que cabe numa simples gaveta, não?)
Decididamente,
Seu querido Narrador.
(é impressionante tudo que cabe numa simples gaveta, não?)
"Numa gaveta do meu quarto: Fim (ou recomeço)."
"Numa gaveta do meu quarto. É onde havia começado e acabado tudo. É onde nasci, onde morri e onde continuei morrendo. Talvez a minha morte fosse para ser o fim, mas eis que decidi comigo mesmo renegá-la, pelo menos até que eu ache apropriado dela vir.
E se não acaba, só o que resta a fazer é recomeçar. E eis recomeça, recomeça do mesmo lugar que começa, na mesma gaveta do meu quarto. Recomeça sendo posto de volta o que antes havia sido tirado. Sendo reposto, de pouco a posto, uma parte do inteiro que sinto, do inteiro que fomos, e do inteiro que tento, por mim mesmo, voltar a ser, enquanto o atentado que sou.
Tolice? Talvez. Talvez chame tolice renegar o fim, talvez seja tolice querer renascer, talvez seja tolice querer repor o que já há muito se foi. Talvez devesse continuar sem, continuar no quem, continuar no inteiro sem o meio, continuar na rua e deixar de viver na lua. Mas é só que estava tão frio lá... Tão frio quanto aí, aposto. E aposto de que mesmo a tolice, mesmo o frio, e até mesmo você, não escolheriam estar onde estão se pudessem ou soubessem como fazê-lo, nem deixar de repor o que, quando posto, tão bem fez a tanto.
E eu me pergunto se é de fato possível. Me pergunto se essas páginas não são só mais uma das centenas de frações de ilusões que criei pra mim, me pergunto se essas páginas nas quais escrevo realmente existem, realmente criem e realmente rimem. Mas no que mais seria possível crer, se nem as minhas próprias páginas eu puder ter? Se nem nas minhas próprias páginas eu puder ser, se nem nas minhas próprias páginas eu puder beber, mesmo que uma última vez, em paz, enquanto o bêbado que sou.
E eu me pergunto se é de fato possível. Me pergunto se essas páginas não são só mais uma das centenas de frações de ilusões que criei pra mim, me pergunto se essas páginas nas quais escrevo realmente existem, realmente criem e realmente rimem. Mas no que mais seria possível crer, se nem as minhas próprias páginas eu puder ter? Se nem nas minhas próprias páginas eu puder ser, se nem nas minhas próprias páginas eu puder beber, mesmo que uma última vez, em paz, enquanto o bêbado que sou.
E é justamente por isso que eu me decidi por crer. Porque mesmo que seja tolice, não deixa de ser (como eu sempre disse e gostei de dizer) a tolice mais bela que todos tem medo de beber nesse mundo. Que afinal de contas, já está tão encharcado de tolices fajutas e nuas, que uma tolice tão bela no mínimo haveria de diluir um pouco os males de todas as outras.
E estou ciente, enquanto o cientista que sou. Estou ciente do que estou fazendo, estou ciente do que pode acontecer, e estou ciente de que essas podem ser as últimas páginas que (eu teria orgulho de dizer) foram mais um dos lindos frutos que minhas próprias ilusões me proporcionaram. Mas eis que se forem, de fato, eu estaria já incapacitado de contá-las pela própria fossa, que ainda teriam a injúria de chamar de boca. Por isso então rogo-lhe, enquanto o agnóstico que sou: Diz por mim. Quando perguntarem, conte de todos os frutos que me foram feitos pelas minhas próprias ilusões, conte as maravilhas que haviam no meu próprio país das maravilhas, conte dos paraísos, das ilhas desertas, do naufrágio, e termine com um simples 'ele morreu'.
E estou ciente, enquanto o cientista que sou. Estou ciente do que estou fazendo, estou ciente do que pode acontecer, e estou ciente de que essas podem ser as últimas páginas que (eu teria orgulho de dizer) foram mais um dos lindos frutos que minhas próprias ilusões me proporcionaram. Mas eis que se forem, de fato, eu estaria já incapacitado de contá-las pela própria fossa, que ainda teriam a injúria de chamar de boca. Por isso então rogo-lhe, enquanto o agnóstico que sou: Diz por mim. Quando perguntarem, conte de todos os frutos que me foram feitos pelas minhas próprias ilusões, conte as maravilhas que haviam no meu próprio país das maravilhas, conte dos paraísos, das ilhas desertas, do naufrágio, e termine com um simples 'ele morreu'.
E, além do mais, eu já estava morto antes mesmo. Que custaria acabar morrendo mais uma vez? Tolice mesmo seria ter medo de morrer. Porque se morrer, morreu, Fim. (ou recomeço)".
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