(...)
"Velho! Velho! Eu preciso falar contigo! Está me parecendo que voltei no tempo!""No tempo, você disse?" disse o ancião, sentando-se novamente em sua velha poltrona, enquanto dobrava a barba por cima das pernas e acendia o cachimbo.
"É, aqueles anos que passei naquele patíbulo imundo, lembra? Os anos que eu tinha me acostumado e viver por viver, e sem nem ao menos sentir falta de algo mais, que eu nem sabia que tinha."
"Pois estás enganado. Ninguém jamais poderá voltar no tempo, nem que seja para um passado desastroso como o seu. O que estás vivendo e inteira e completamente novo, mesmo que repetido."
O jovem demorou o seu olhar no velho, mudou de tom:
"E se eu disser que nem ao menos o tempo importa mais pra mim? E se eu disser que, para mim, o tempo está eternamente parado desde aquele dia? O que isso significaria? Hein?!"
"Significaria simplesmente que precisas de um relógio. Como da última vez, lembra-se?"
"Impossível! Você bem sabe, velho, que meu relógio há muito quebrou, e com ele todas as horas que ainda restavam passar! Não diga asneiras, velho, não combina com você." disse o jovem, deixando seus gritos morrerem pela velha sala comprida.
Calaram-se os dois. O jovem permaneceu encarando-o friamente, esperando pela resposta. O ancião inquietou-se em sua velha poltrona vermelha, baixou os olhos e deixou seus pensamentos fluírem pelo fogo crepitante. Tantas histórias aquela lareira poderia contar! Tantas cartas ele mesmo já queimara ali! Tantas poesias, músicas, desenhos... Mas eram tão poucos, se comparados aos jovem que se dispunha à sua frente. Tão poucos se comparados a como aquelas cartas, aquelas poesias, aquelas músicas e aqueles desenhos queimaram, cantando suas próprias partituras naquela velha lareira cega, morrendo jovens, justamente por serem jovens. Tão jovem...
O ancião focou seus olhos mais uma vez no garoto. Fitou-o com seriedade. Nunca o havia olhado daquela forma antes. Sempre falara com calma, mantendo ao máximo a postura humilde (porém sábia) que adquerira ao longo dos anos. O jovem sustentou o seu olhar com a mesma seriedade. Passaram-se vários minutos, cada um mais dilatado e prolongado que o outro, até que o ancião, por fim, disse, calma e profundamente:
"Não adiantaria em nada dizer para você buscar um relógio novo, não é?"
"Não mesmo."
"Então nosso encontro termina aqui. Boa sorte para consertar o antigo."
Estava mais uma vez deitado no chão de sua própria sala, tão sem graça se comparada à outra. Suas lágrimas haviam secado, mas continuava olhando fixamente para o ponto fixo do assoalho no qual, há um instante atrás, havia demorado um pouco mais seu olhar.
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